Monday, March 15, 2010

O bem mais precioso

O ônibus parou na esquina, perto de um terreno baldio. Sonolento, despedi-me do motorista e desci. Caminhava em direção à minha casa quando ele partiu com o ônibus. Iria deixar mais estudantes em suas casas. Era noite de sexta-feira, e enquanto muita gente estava na "badalação" do início do final de semana, a coisa que eu mais queria era tomar um banho e dormir, depois de um dia cansativo (e quente) de trabalho e estudo. Não que eu não goste de uma bagunça, muito pelo contrário: apenas prefiro deixá-la para os sábado ou domingos.

Caminhei apressado, ao som dos latidos dos cães dos vizinhos e debaixo da luz da lua. Tirei a chave do bolso da calça, destranquei o portão e entrei. As luzes da sala e da cozinha estavam acesas. Abri a porta da sala e entrei. Segui pelo corredor, entrei no meu quarto e joguei a mochila sobre a cama. Pendurado, atrás da porta, estava meu pijama. Certo, não é bem um pijama, desses caros. Não. Na verdade, não tem nada de caro. Sabe essas camisetas de políticos, que a gente ganha aos montes durante as campanhas eleitorais? Pois é, era uma dessas. O que me faz lembrar que esse ano vou ganhar muitos "pijamas" novos...

Peguei a minha roupa de dormir e segui, animado, em direção ao banheiro. Depois de um dia de verão, nada melhor do que um banho gelado para aliviar o cansaço e dormir feito um anjinho. Mas fui interrompido, no meio do caminho, pela minha mãe. "Vê se toma um banho rápido", disse ela, taxativa. Ergui uma sobrancelha. "Por quê?", perguntei. Ok, mereço ir para o inferno, se ele realmente existir: não tomo banhos rápidos. Demoro. E lá vai a água pelo ralo. "Porque...", respondeu ela, "Por que estamos sem água desde ontem de manhã".

Assim começou meu querido final de semana. Com um banho daqueles que mal se molha o couro cabeludo. Não que não tivéssemos água em casa, nós tínhamos. Mas era a água do reservatório, e era necessário economizá-la, afinal, não sabíamos quanto tempo demoraria para que o abastecimento voltasse. "Ei, moça, estamos sem água, quando é que ela vai ser reestabelecida?", perguntou minha mãe à atendente do serviço de abastecimento da minha cidade. "Não temos previsão, senhora. É uma manutenção".

Demorou exatos quatro dias. Quinta, sexta, sábado e domingo. Quatro dias sem água, tendo que tomar banhos rápidos, economizando também na hora de cozinhar e gerando caridosas ofertas de chuveiros amigos para poder lavar tudo decentemente. "Não, não precisa", respondia. Foi desse modo, nada agradável, diga-se de passagem, que descobri uma coisa que há muito já ouço por ai. Não existe bem mais precioso do que a água. Petróleo, dinheiro, energia elétrica... Isso tudo é "dispensável", afinal, o ser humano já viveu sem esses, hoje, indispensáveis confortos modernos. Mas sem a água, não dá. Hã-hãm. Necatipiriba. Só quando sentimos na pele a falta dela, é que damos a sua devida importância.

Me peguei pensando, durante todo o final de semana, o quão difícil deve ser a vida de quem, realmente, não tem água, como a população de alguns países africanos, por exemplo. Afinal, eu passei apenas alguns dias sem ela. Hoje pela manhã, minha mãe já lavava toda a roupa, que havia se acumulado durante esses quatro dias, enquanto eu dormia. Mas, muitos milhões de pessoas não podem contar com esse benefício obrigatório, durante boa parte de suas vidas. E não é necessário sair do Brasil para verificarmos isso (alguém ai falou Nordeste?).

Não quero entrar, aqui, na discussão de que se vai ou não faltar água no planeta no futuro, e nem quero deixar aquelas lições de moral esdrúxulas que Hollywood teima em querer enfiar em nossas cabeças naqueles filmes "B". Não, nada disso. Apenas quero mostrar o quão complicado pode ser a vida sem uma coisa tão simples quanto a H²0. Foi uma experiência única, que não faço a menor questão de vivenciar novamente.

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