Wednesday, June 30, 2010

O Herdeiro do Livro Alfa #01


A criança corria pela floresta, tropeçando em raízes salientes e desviando-se dos imensos troncos das árvores. Ofegante e assustada, olhava para trás afim de visualizar seu perseguidor. Ele não estava longe. O garoto não sabia o porquê, mas aquele homem que o perseguia queria matá-lo. Na sua desesperada fuga, não conseguia identificar muito bem quem era seu algoz, apenas que era um homem forte, que vestia uma túnica suja e gasta pelo tempo. Usava também um sobretudo negro, e na mão direita, empunhava uma imponente espada de ferro. O garoto não sabia como ele podia correr tanto, se carregava uma arma tão pesada. E o mesmo sequer parecia cansado, muito pelo contrário: se desviava facilmente de arbustos espinhentos e até das raízes e troncos que tanto dificultavam a sua fuga. A criança não tinha dúvidas que se tratava de um caçador. E um dos bons.

O corpo do garoto trabalha à mil. Seu cérebro enviava ao corpo já cansado estímulos o suficiente para que, mesmo desgastado, o garoto continuasse sua fuga. "Se ele te pegar, por alguma razão, ele vai te matar", pensava consigo mesmo. Cada vez mais perto, o caçador parecia se divertir com o sofrimento da criança. Era apenas uma questão de segundos para que ele finalmente colocasse as mãos no que queria. Ao pensar desse modo, o homem sorriu, exibindo uma fileira irregular de dentes amarelos. O sorriso foi notado pela criança e aquilo serviu para que o medo se alastrasse ainda mais por cada canto do seu pequeno corpo.

Talvez tenha sido o desespero que tenha feito a desatenção se abater sobre o garoto. Ao desviar-se, num salto, de um grande tronco caído em meio à tantas árvores centenárias, ele não percebeu o galho fino, porém firme, que pairava logo acima do tronco caído. No salto, sua testa foi de encontro com o galho, atingindo-lhe em cheio. O golpe fez com que ele perdesse o equilíbrio e caísse de costas no chão molhado e cheio de folhas mortas da floresta. A dor logo se espalhou pelos seus membros, indo da cabeça até suas pernas, e juntando-se ao cansaço, impediu que o garoto se levantasse e recomeçasse sua fuga. Entretanto, não haveria tempo para tanto. Em poucos segundos, seu algoz surgiu no seu campo de visão, agora embaçado devido à pancada que recebera. Mas mesmo assim podia ver seu olhar vitorioso, seus dentes tortos e sua pele suja.

- Finalmente te peguei, moleque! - esbravejou o caçador, e a saliva que ele cuspiu junto às palavras molharam a testa machucada da criança. - Por acaso pensou mesmo que poderia fugir de mim? Olhe para você...

Os olhos do caçador percorreram o corpo trêmulo do garoto. Rugas surgiram ao redor dos olhos do homem quando este sorriu ao perceber que o que a criança sentia ultrapassava o medo: era terror. O corpo pequeno e magro do garoto não conseguia obedecer às ordens de seu cérebro, que, aflito, implorava para que ele voltasse à correr e salvar sua vida. Mas ele não conseguia. Iria morrer ali mesmo.

- ... Está se tremendo todo. Não se preocupe, vou te matar de forma rápida... Você quase não vai sentir dor alguma. Eu disse quase! - E riu, mostrando novamente aqueles dentes mal-cuidados.

Então o sangue escorreu pela sua testa. Não da criança, e sim do seu perseguidor. O líquido vermelho respingou no garoto que, mesmo caído no chão e cheio de dores, gritou. Gritou mais alto e forte do que nunca. De susto. De desespero. O caçador, por sua vez, demorou para perceber e entender o que havia acontecido. Olhou para a própria testa e viu que uma imensa flecha negra a havia perfurado. O sangue, que agora já manchava toda a sua face, vinha do buraco que a arma havia feito em seu crânio. O garoto, com os olhos escancarados de pavor e curiosidade, procurou pela origem do tiro, mas não avistou nada.

O homem não teve tempo de reagir. Seus olhos giraram nas órbitas, ele perdeu suas forças e foi ao chão, sem vida, fazendo seu pesado corpo cair sobre o garoto. Este, por sua vez, lutando contra as suas dores e, ao mesmo tempo, contra o fardo moribundo que lhe pressionava o peito, tentou se livrar de todo aquele peso. Usou toda a sua força restante para jogar o cadáver para o lado, aliviando assim seu mal-estar.

O garoto respirou fundo e, usando todas as energias que ainda lhe restavam, colocou-se de pé. Foi só então que ele se observou, lentamente. Seus braços e pernas estavam totalmente arranhados, possivelmente devido à esbarrões contra arbustos espinhosos dentro da floresta, e uma fina camada de sangue seco cobria alguns desses arranhões. Sua testa estava dolorida, e com a palma da mão, ele percebeu que um galo volumoso havia se formado no local da pancada com o galho. Ele olhou para o corpo do seu algoz, sem vida. Foi então que o desespero percorreu novamente seu corpo. Quem o havia alvejado com a flecha? Ele estaria em perigo?

O garoto foi tirado do seu transe por um barulho de passos, vindos das folhas secas próximo do local onde ele estava. Ele virou-se rapidamente em direção ao som, e todas as suas respostas, de repente, foram respondidas. Ali, diante dele, um homem imenso postava-se de pé, com o arco em riste e apontando uma flecha, exatamente como a anterior, para a sua testa machucada. Vestida o que, um dia, havia sido uma bela armadura. Agora, apenas algumas peças cobriam-lhe o corpo musculoso. Trazia preso ao cinto uma imensa espada de ferro e às costas, um aljava cheio de flechas.

O pior de tudo é o garoto conhecia aquele homem, que não parecia nem um pouco feliz em reencontra-lo. Sua face era séria, e a imensa cicatriz que lhe cortava todo o lado direito do rosto, do alto da testa até o queixo, dava-lhe uma expressão ainda mais severa – e selvagem.

- Hiel... – sussurrou o garoto, e todo o terror que ele sentiu antes, durante a fuga contra o caçador, agora, não significava mais nada. Seu corpo tremia. Suava como se o sol estivesse à pino, e ele, em meio à um deserto. Mas era noite.

- Olá Ravel – respondeu o homem, e sua voz era gutural. Ele deixou escapar um risinho pelo canto da boca, entortando o formato de sua imensa cicatriz. – Estive procurando você por toda a parte...

Mesmo suando, um frio imenso percorreu a espinha do garoto. Ele apalpou uma pequena bolsa de peles que carregava consigo, à procura do livro. Ele estava lá dentro, e parecia intacto. Trouxe a bolsa à frente e apertou-a com toda asua força contra o peito machucado. Era um ato instintivo de proteção, que foi captado por Hiel. Ainda apontando a flecha à Ravel, o guerreiro riu, e sua risada malévola ecoou por toda a floresta.
Fim #01

No comments:

Post a Comment