Friday, November 26, 2010

A Cidade das Cabeças Baixas


Era uma vez uma cidade como qualquer outra. Era uma cidade cheia de prédios altos, ruas movimentadas, motoristas histéricos, vielas mal-cheirosas, mendigos jogados na sarjeta e lojas de madames infelizes. Na caída da noite, quando a iluminação natural do sol dava lugar à escuridão acolhedora, luzes artificiais iluminavam bares toscos, prostíbulos abarrotados e assaltantes no aguardo de sua próxima vítima. Como dito, era uma cidade como tantas outras espalhadas pelo mundo. Mas uma coisa era muito particular nessa cidade: todos caminhavam de cabeças baixas, olhando para o chão, olhando os próprios pés. Por isso, o lugar era conhecido como "A Cidade das Cabeças Baixas".

Na "Cidade das Cabeças Baixas", nenhuma pessoa cumprimentava a outra pela manhã, durante o café. Ao acordar, as pessoas sentavam-se à mesa e comiam, fixos no prato à sua frente, em silêncio. Pareciam seres estranhos. Na "Cidade das Cabeças Baixas", ao sair de casa e caminhar pelas ruas, as pessoas não se olhavam. Os mendigos, jogados ao chão, eram a principal visão dos moradores, assim como as bocas-de-lobo, as raízes das árvores, os pés dos transeuntes. Ninguém se importava com os olhos das pessoas. Na "Cidade das Cabeças Baixas", tudo, e todos, pareciam tristes.

Em meio à todas essas pessoas havia um rapaz. E ele era exatamente como os outros, afinal, morava na "Cidade das Cabeças Baixas". Ele também andava cabisbaixo pelas ruas, sem admirar a beleza de um céu azul ou o brilho das estrelas presas no veludo escuro da noite. Mas, um dia, a vida desse garoto mudou. O sol já dava lugar ao crepúsculo diário da cidade. Assim como em todos os dias, os carros passavam, velozes, na ânsia de chegar às suas garagens. Mãos nervosas acionavam as buzinas. Mães nervosas berravam com os filhos. Um mar de gente de cabeças baixas, e o jovem era apenas mais um gota.

Foi quando ele avistou um objeto no chão, próximo à um alto edifício residencial. O rapaz parou, e ficou observando. Ombros apressados batiam contra o seu, fazendo-o perder o equilíbrio. Ele abaixou-se e pegou o objeto. Não era nada demais, só um celular que, agora, parecia quebrado. O rapaz não deu muita importância, mas quando se preparava para continuar sua caminhada, foi surpreendido por uma voz:

- Hei, você! Isso aí é meu! - gritou uma voz doce e agradável, que parecia vir do alto.

Incrível como a gente nunca sabe quando vamos fazer algo pela primeira vez na vida. Foi assim que aconteceu com o rapaz. Ao ouvir aquele chamado, ele levantou o olhar para o prédio. Era a primeira vez que ele via algo tão bonito. Não, não me refiro à construção em si, uma série de apartamentos com belas janelas brancas com cortinas esvoaçantes, assim como também não me refiro ao céu colorido, que ia do azul ao roxo, passando por uma explosão escarlate do final da tarde, tudo isso elementos do cotidiano nos quais ele nunca havia reparado. Me refiro à dona da voz, com seu cabelo louro jogado para trás pelo vento. A garota postava-se debruçada sobre o parapeito de um dos apartamentos, olhando para baixo, mas de uma maneira diferente de como o garoto olhava.

E ela o fixava. Havia falado com ele, que por sua vez, ficou paralisado. Eram tantas novidades no seu mundinho cabisbaixo. Teve vertigem e quase caiu de costas. Naquela cidade onde nunca ninguém olhava nos olhos de outra pessoa, ela o fez. Naquela cidade onde uma pessoa jamais dirigia a palavra à outra, ela também o fez. O garoto sorriu. Também era uma das poucas vezes que ele fazia isso.

- Espere ai! - voltou a gritar a garota, desaparecendo da janela.

O jovem continuou olhando para cima e quando se deu conta, ela estava ao seu lado, imóvel. Sua mão estava estendida, com a palma virada para cima. Com um sorriso, pediu o aparelho de volta. Entorpecido, o rapaz o devolveu. A garota sorriu em agradecimento, mostrando dentes brancos e simpáticos. Deu meia volta, jogando os longos cabelos contra sua face e desapareceu.

Ele ficou ali, parado, em meio à uma gente apressada, que trombava com ele e não pedia desculpas. Ele não se importou. Deu meia volta e olhou o sol poente, lançando sobre a cidade seus últimos raios escarlates. O garoto agradeceu por presenciar uma cena tão bela. Continuou seu caminho pela Cidade das Cabeças Baixas. Mas agora ele sabia que já ão fazia mais parte dela.

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